Com a crescente e acelerada descoberta de informações químicas ao longo dos anos, nasceu uma urgente necessidade de organização, armazenamento e tratamento dos dados gerados a partir de pesquisas científicas. Assim, surgiu a quimioinformática, uma interseção entre a química e a computação que busca resolver desafios químicos por meio de abordagens computacionais.
Desde os anos 1960 e 1970, métodos computacionais vêm sendo aplicados à química, mas o termo "quimioinformática" foi formalmente definido no final do século XX. Ele tem sido descrito de várias maneiras, abrangendo desde a transformação de dados em conhecimento até a organização e análise de informações químicas. Neste artigo, veremos alguns conceitos básicos dessa área e exploraremos como ela pode auxiliar na descoberta de medicamentos de maneira mais rápida e precisa.
A quimioinformática é uma ciência interdisciplinar que utiliza recursos das ciências da computação e da informação para resolver problemas químicos. A jornada da quimioinformática começou com a representação e manipulação de estruturas químicas individuais, avançando para o papel crucial que desempenha hoje: a exploração de bases de dados químicas e a descoberta de novos compostos com propriedades desejadas. Esse avanço foi impulsionado pela geração massiva de dados biológicos e químicos por meio de tecnologias como os ensaios de alta vazão e a química combinatória.
A quimioinformática utiliza algoritmos, modelos matemáticos e técnicas de análise de dados para processar, analisar e interpretar grandes conjuntos de informações moleculares, como estruturas químicas, propriedades físico-químicas e atividades biológicas. Ela se entrelaça com diversas subáreas da química computacional, incluindo a análise de estrutura molecular, planejamento de fármacos, análise de interações moleculares e a modelagem de proteínas. Essa interseção de disciplinas tem levado a avanços significativos na descoberta e no desenvolvimento de novas moléculas bioativas. Hoje, a quimioinformática é composta, basicamente, por três áreas:
Representação, visualização, manipulação e processamento de estruturas químicas;
Organização e análise de grandes bases de dados de compostos químicos; e
Estudos das relações quantitativas entre estrutura e atividade/propriedade (QSAR/QSPR, do inglês, quantitative structure-activity/property relationships).
Na imagem a seguir é possível ver um esquema de representação de como é gerado um modelo de QSAR/QSPR. Em síntese, os descritores moleculares são representações matemáticas das formas estruturais das moléculas. Usando esses descritores e métodos estatísticos de análise de dados, a abordagem QSAR consegue criar uma relação entre a estrutura química da molécula e sua propriedade biológica e apresentar isso de forma matemática.
Figura 1. O processo de construção de um modelo QSAR. Fonte: Adaptação por Alves et al., 2018 de Tropsha, 2010.
A quimioinformática utiliza bancos de dados alimentados durante anos com o resultados de pesquisas científicas. Alguns exemplos desses bancos de dados são: ChemSpider, Chemicalize, SciFinder, CAS, KnowItAll U, ChEMBL, PubChem, DrugBank, dentre outros. Esses repositórios fornecem informações sobre diversos aspectos das moléculas, como propriedades físicas, estruturas moleculares, espectros interativos, referências na literatura, fornecedores de produtos químicos, resultados de ensaios in vitro, in vivo e principalmente resultados de triagem de alto rendimento.
As aplicações são diversas e praticamente ilimitadas, como avaliação da segurança de compostos químicos para uso ambiental; planejamento e desenvolvimento de fármacos, auxiliando na descoberta de novos compostos com atividades terapêuticas desejadas (Drug Discovery); redução de custos no desenvolvimento de novas moléculas, otimizando o processo de pesquisa e desenvolvimento; redução do número de animais utilizados em ensaios experimentais, promovendo a ética na pesquisa, contribuição para a química verde, incentivando práticas sustentáveis na indústria química e aumento da eficiência do processo de pesquisa e desenvolvimento, evitando o desperdício de recursos em compostos menos promissores.
Um exemplo de aplicação da área é o uso do software SerotoninAI, que é capaz de realizar previsões precisas de como medicamentos irão se relacionar com o sistema serotoninérgico. Outros exemplos incluem o BAMBU, software desenvolvido pela BIOSCIENT, que é capaz de selecionar moléculas com potencial anticâncer para o desenvolvimento de novos fármacos. Além desses, existem vários outros que podem analisar determinadas bases de compostos e verificar quais moléculas são biologicamente ativas para um uso mais assertivo em pesquisas.
A quimioinformática desempenha um papel vital na pesquisa química moderna, permitindo a análise e o entendimento de grandes conjuntos de dados químicos e biológicos. Nesse artigo, conhecemos alguns aspectos básicos dessa ciência e vimos como ela é uma disciplina interdisciplinar essencial para estudantes e pesquisadores interessados na interface entre química e computação.
E se você deseja aprofundar seus conhecimentos na área, convidamos você a conhecer o curso 'Bancos de Dados para Drug Discovery 2.0: da Busca ao Balanceamento'. O curso oferece uma visão abrangente da indústria farmacêutica no Brasil e do processo de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos. Além disso, aborda os principais bancos de dados utilizados na pesquisa de novos medicamentos, explorando também técnicas de machine e deep learning para processamento desses dados, incluindo desafios como o balanceamento inadequado. Acesse nosso site para saber mais e inscreva-se!
Autora do texto: Letícia Tomé.
Referências
ALVES, V. et al. Quimioinformática: uma introdução. Química Nova, 2017.
ALVES, V. M. et al. QSAR models of human data can enrich or replace LLNA testing for human skin sensitization. Green Chemistry, v. 18, n. 24, p. 6501–6515, 2016.
ARULMOZHI, V.; RAJESH, R. Chemoinformatics – A Quick Review. 3rd International Conference on Electronics Computer Technology, p. 416-419, 2011.
BROWN, N. Chemoinformatics—an introduction for computer scientists. ACM Computing Surveys, v. 41, n. 2, p. 1–38, fev. 2009.
ŁAPIŃSKA, N. et al. SerotoninAI: Serotonergic System Focused, Artificial Intelligence-Based Application for Drug Discovery. Journal of Chemical Information and Modeling, v. 64, n. 7, p. 2150–2157, 8 abr. 2024.
EUROPEAN CHEMICALS AGENCY. Modelos QSAR. Disponível em: <https://echa.europa.eu/pt/support/registration/how-to-avoid-unnecessary-testing-on-animals/qsar-models>. Acesso em: 3 maio. 2024.
GASTEIGER, J.; ENGEL, T. Chemoinformatics: A textbook. Alemanha: Wiley-VCH Verlag GmbH, 1ª Ed. 2003.
ZHANG, L. et al. Discovery of Novel Antimalarial Compounds Enabled by QSAR-Based Virtual Screening. Journal of Chemical Information and Modeling, v. 53, n. 2, p. 475–492, 25 fev. 2013.